05 de outubro de 2023
Por Flávio Rocha, Anna Bezerra, Aycha Sleiman, Diego Jatobá, Erika Silva, Felipe Lelli, Flávia Souza, Heloísa Domingues, Julia Lamberti, Lais Surcin, Lucas Ayarroio, Roberto Silva, Tarcízio Melo e Vinícius Bueno (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)
O presidente Lula retorna à Assembleia Geral da ONU após 20 anos com discurso elogiado, destacando os compromissos do Brasil. Encontros bilaterais estratégicos ressaltam sua crescente relevância global. Tensões surgem com a Ucrânia devido à complexa geopolítica. Internamente, investigações revelam participação militar em movimentos antidemocráticos durante o governo anterior. O Brasil busca equilibrar suas forças armadas com a governança civil, enquanto seu papel no cenário global é observado de perto.
Participação do Brasil na 78ª Assembleia Geral da ONU
No dia 19 de setembro de 2023, o presidente Lula discursou na 78ª Assembleia Geral da ONU. A recepção a Lula evidenciou o Brasil como parceiro estratégico na geopolítica global. O presidente voltou ao palco da Assembleia Geral da ONU após 20 anos, adotando uma retórica pragmática e evitando críticas diretas aos países ricos, especialmente aos EUA. O discurso de foi aplaudido sete vezes, e a primeira interrupção ocorreu quando Lula citou “o Brasil está de volta.” A plateia também reagiu positivamente quando o presidente abordou o compromisso do Brasil com a igualdade racial, a redução do desmatamento na Amazônia, a igualdade salarial entre homens e mulheres, e a liberdade de imprensa. Lula também recebeu aplausos ao criticar as sanções contra Cuba e ao aumento da influência da extrema-direita global.
Entre vários pontos de interesse da comunidade global, Lula apontou a a paralisia de instituições internacionais como o FMI, Banco Mundial e a OMC, e mencionou o BRICS como uma plataforma alternativa para reconfigurar as forças geopolíticas. Além disso, teve encontros bilaterais com líderes como Joe Biden e Volodymyr Zelensky, destacando a crescente relevância do Brasil em um mundo em transformação.
Na quarta-feira (20) o presidente Lula se reuniu com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky durante o período da Assembléia Geral da ONU. A conversa entre os dois líderes reforçou a posição que ambos já expuseram publicamente. No caso brasileiro, foi enfatizado a postura da defesa da manutenção da paz e da promoção do diálogo e o direito da Ucrânia de defender seu território.
Historicamente, o Brasil tem um papel de conciliador e promotor do diálogo, mas esta estratégia parece não agradar o presidente ucraniano que sente a dificuldade de manter o apoio internacional em meio ao conflito com a Rússia.
Alguns detalhes valem a pena serem ressaltados: Brasil e Rússia fazem parte do BRICS (um mecanismo internacional de cooperação econômica entre países emergentes, recém expandido); o presidente disse em entrevista que caso Putin fosse ao Brasil, ele não seria preso, mesmo condenado pelo Tribunal Penal Internacional; dias depois, ele recuou e disse que caberia à justiça prendê-lo ou não; o Brasil negou envio de armamento à Ucrânia e em seu discurso na ONU, o presidente criticou o investimento em armamento em relação ao desenvolvimento. Isto mostra, por um lado, a posição brasileira de defender negociações e a paz entre os beligerantes, mas também mostrou a postura de não entrar em confronto com um parceiro econômico tão importante como a Rússia.
Aliás, o presidente Zelensky foi o único que não aplaudiu Lula nenhuma vez, o que foi notado pela imprensa internacional e não passou despercebido pela diplomacia brasileira. O governo ucraniano continuou insistindo, através de vários canais, que o Brasil deveria apoiar a Kiev contra a Rússia – algo completamente fora de cogitação para Brasília.
Sobre a Rússia, foram comemorados 195 anos das relações com o Brasil. Em nota do Kremlin publicada nas redes sociais, a parceria com o Brasil foi considerada estratégica, apontando que a cooperação nos BRICS estava entre os “aspectos mais ativos da colaboração Rússia-Brasil”. Em resumo, Moscou terminou destacando a parceria estratégica com o Brasil, num momento, segundo o jornalista Jamil Chade, em que a relação com a UE e EUA passam por sua maior crise por conta da Guerra na Ucrânia.
Militares e Política Doméstica
Tradição golpista dos militares
A participação das forças armadas no cenário politico nacional alcançou novos patamares no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), usufruindo de benesses individuais para vários oficiais e de um tratamento especial para o estamento, especialmente no que tange a aumentos salariais e vantagens pecuniárias. As investigações que estão em curso a respeito dos eventos de 08 de janeiro em Brasília estão mostrando que vários militares da reserva e da ativa se engajaram em movimentos antidemocráticos de cunho golpista. Alguns oficiais foram ouvidos pela Polícia Federal para atender ao inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal que trata da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes no dia 08 de janeiro de 2023.
Além dos generais que aderiram ao bolsonarismo, o Tenente Coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, é um dos militares em evidência por sua participação em atividades fora da alçada da ajudância de ordens e que estão relacionados com o planejamento dos atos golpistas e invasão das sedes do Três Poderes. Amparado por um harbeas corpus, Mauro Cid não respondeu as questões feitas por membros da CPI do 08 de janeiro e foi preso em 03 de maio de 2023 acusado, inicialmente, por fraude em cartões de vacinação. Solto, após negociar delação premiada homologada pelo Ministro Alexandre de Moraes em 09 de setembro, ficou sem função no Exército, agregado ao Departamento Geral de Pessoal. O conteúdo de sua delação cita a participação de outros oficiais, inclusive os generais Augusto Heleno e Eduardo Ramos, do Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, e os então comandantes da Aeronáutica e do Exército, em reuniões de avaliação de um golpe que impedisse a posse do presidente Lula. Naquela época, teria o Almirante Garnier concordado em apoiar o golpe de estado, o que não gera surpresa diante do ato de insubordição de não participar do evento de passagem de comando para o seu sucessor. A participação de oficiais generais das forças armadas em tramas golpistas não é novidade na história brasileira, assim como o esforço promovido pelo meio politico para livrá-los de punições. Assim, o Brasil permanece com forças armadas débeis militarmente, despreparadas para serem empregadas no contexto da guerra moderna, mas muito empenhadas em manter seu status politico, vantagens financeiras e liberdade de gestão dentro do estado – ou, como tem sido enfatizado em diversas publicações anteriores do OPEB, na defesa corporativa de prebendas, fatias no orçamento e manutenção do papel político de poder à revelia dos governos civis.
A CPMI de 8/1
Numa visão mais detalhada dos depoimentos da delação premiada, Mauro Cid relatou que o então assessor especial para Assuntos Internacionais, Felipe Martins, teria enviado a Jair Bolsonaro uma minuta de decreto solicitando novas eleições logo após a derrota no segundo turno. O almirante Almir Garnier teria concordado com o plano, no entanto, segundo Cid, este não teve adesão do Alto Comando das Forças Armadas: o então comandante da Aeronáutica teria se calado e o comandante do exército teria dito que Bolsonaro poderia ser preso. Considerando-se a atuação corporativa dos militares, não pode-se deixar de lado a hipótese de que o Tenente-Coronel Cid procurou preservar o exército na delação premiada, escolhendo outras pessoas, e entre elas Garnier, como bodes expiatórios na conspiração golpista.
Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) onde a tentativa de golpe por bolsonaristas no dia 8 de janeiro está sendo investigada, o General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) afirmou não ter nenhum conhecimento da tal minuta, e insistiu que o até então presidente Bolsonaro atuaria dentro das quatro linhas constitucionais. Visivelmente irritado e desconfortável por estar sendo inquirido incisivamente, Heleno ainda declarou que em nenhum momento chegou a visitar os acampamentos bolsonaristas em frente ao quartel-general do Exército, e tão pouco os considerava uma ameaça à segurança – segundo o general, eles faziam parte de uma manifestação política legal e pacífica.
O papel do GSI nos eventos de 08 de janeiro de 2023
O avanço nas investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 ainda expõe a tensa relação entre militares, civis e governo acerca de questões de segurança nacional. As delações do Tenente-Coronel Cid apontam que um dos eixos militares na conspiração golpista passa pelo GSI. O órgão era central no Sistema Brasileiro de Inteligência(SISBIN), além de ser comandado pelo General Augusto Heleno na gestão Bolsonaro. O depoimento de Heleno ocorreu após a divulgação de um laudo feito por especialistas da UFABC e da USP indicando que a voz do General pode ser identificada com 87% de precisão em áudios que incitavam bolsonaristas a não aceitarem o resultado das eleições do ano passado.
Recentemente, o GSI terminou sindicância sobre os atentados e foi pontual em não indicar culpados, limitando a considerar os atos violentos de janeiro de 2023 como falha de comunicação. O resultado morno da sindicância não poupou o órgão de mudanças em sua estrutura. O presidente Lula tem considerado uma gestão híbrida entre civis e militares, o que tem desagradado ambos os lados, e a imprensa traz informações de que até mesmo a primeira dama não se sente confortável com a presença de militares. Além disso, um decreto de Lula publicado recentemente altera a organização do SISBIN buscando reequilibrar o fluxo de informações do sistema e evitar falhas apontadas por especialistas, além de controlar o acesso de militares a informações estratégicas.
As medidas do presidente pouco agradam as alas militares e civis dos órgãos de segurança ao mesmo tempo que notícias do envolvimento de possíveis partidários do ex-presidente Bolsonaro se acumulam nos eventos que provocaram os atentados contra o Estado de Direito.